Peça
fica em cartaz em Belo Horizonte neste fim de semana no Teatro Sesi Holcim
Imagine a seguinte situação: você trabalha em uma importante
empresa e está atrasado para uma entrevista no 43º andar – famoso em seus
‘relatos não oficiais’, afinal, é o andar da diretoria. Você entra no elevador
e, quando as portas já estão fechando, uma outra pessoa vem correndo e pede
para você segurar a porta. Quando ela embarca, vocês descobrem juntos que vão
para o mesmo andar e que um destino semelhante pode estar reservado para os
dois. É assim que a equipe da companhia Teatro Express, do Distrito Federal,
inicia a peça “Relatos não oficias sobre o andar 43”. Com enredo polêmico,
chocante e muito humano, o espetáculo fica em cartaz até este domingo (15), no
Teatro Sesi Holcim, em Belo Horizonte.
O laboratório Lustosa é famoso e tradicional: 27 anos
como líder no mercado. Seus funcionários têm oportunidade real de crescimento
dentro da companhia. Prova disso é que Bernardo e Maurício foram chamados para
uma entrevista com o presidente da empresa e tomam, coincidentemente (ou seria
o destino?) o mesmo elevador.
A subida é longa e eles começam a puxar assunto. Maurício
é do setor químico e é a timidez em pessoa. Bernardo é do setor de vendas e é
mais extrovertido, mais brincalhão. Dele, partem as piadas iniciais da trama.
Os dois têm esperança de serem promovidos
naquela tarde, afinal, por qual outro motivo seriam convidados para uma reunião
com o presidente?
Uma química (e não é trocadilho com o segmento da
empresa) surge entre os personagens durante o trajeto. Mas é algo sutil,
inocente. No entanto, uma queda de energia faz com que o elevador pare no meio
do caminho. Presos no pequeno espaço e com a morosidade do socorro, Bernardo e
Maurício deixam-se levar por seus impulsos e dão uma guinada no relacionamento.
É aí que as coisas complicam e a velha máxima “as
aparências enganam” começa a traçar o destino dos dois personagens. O romance
de Bernardo e Maurício nos remete um pouco ao romance de Jack e Rose em Titanic, de James Cameron: começa por
acaso e tem um desfecho surpreendente. E o que nos choca, é perceber que
podemos ser cúmplices daquele enredo nefasto e não podemos fazer nada para
ajudar os personagens a sair de uma situação tão grave.
Tudo no espetáculo é cuidadosamente pensado para prender
o espectador e fazer com que ele entre, de corpo e alma, na história: ainda com
as luzes apagadas sobre o palco, o áudio de uma unidade de autoatendimento
telefônico nos apresenta o laboratório. Frases clássicas do mundo do
telemarketing são ouvidas no começo da apresentação e nos dão uma ideia do
cenário. Em seguida, o som mecânico característico do elevador se sobressai aos demais sons e as luzes se acendem. Vemos então o transporte que
Bernardo e Maurício irão tomar dentro de alguns instantes e temos a primeira
surpresa da peça: do modo como é colocado no palco, o elevador nos dá a
sensação de estarmos dentro dele. Somos a parede espelhada do fundo, aquela em
que, involuntariamente, arrumamos o cabelo ou retocamos a maquiagem quando
entramos em um elevador qualquer. A porta fica no fundo do palco, com seu
botões cromados voltados para o público. É por ali que conhecemos Maurício e
Bernardo. E também o grande segredo do laboratório Lustosa.
À medida que o elevador sobe rumo ao andar 43, luzes
características piscam, dando-nos a ideia da passagem dos andares. Quando a luz
principal é cortada, temos a fraca iluminação de um celular e, depois, uma
incômoda luz de emergência, que cumpre seu papel de nos mostrar a face e a
humanidade dos protagonistas.
Quando o relacionamento dos dois se intensifica, a
iluminação cumpre seu papel: um jogo de luzes psicodélico (ou, como disse o
diretor Thiago Cazado, em uma recente entrevista ao blog APS:
“esquizofrênico”), nos fazer viver aquele momento. Nos faz perceber que
poderíamos estar na pele, no lugar, de qualquer um daqueles personagens.
Esta, aliás, era uma das preocupações de Cazado, ao
escrever o roteiro: “Os personagens foram buscados pensando
em não rotulá-los, não encaixá-los em tipos óbvios. Procurei encontrar
personagens muito humanos, naturais e surpreendentes, como somos todos.” disse o autor em entrevista ao blog
esta semana.
As luzes e o
som se intensificam e se suavizam, de acordo com a cena que é vista no centro do
palco ajudando, de modo brilhante, a contar a história. Como Cazado adiantara
ao blog, o choque, a polêmica causada pelo enredo, está não nas cenas de nudez
e insinuação sexual. Está no pós, na consequência, na reação do mundo exterior
sobre o relacionamento que Bernardo e Maurício resolvem assumir.
Quando li a
sinopse da peça e vi que lá constava a frase “lá (no elevador) eles descobrem
um fato macabro a respeito da empresa”, imaginei qualquer coisa (de desvio de
dinheiro público a adulteração de medicamentos), menos o que realmente
acontece. Sem contar o final, posso dizer que “Relatos não oficiais sobre o
andar 43” possui um desses enredos que se prendem em nossa cabeça após o
fechamento da cortina. E nos segue, quando saímos do teatro, pelas esquinas,
nos acompanha no ônibus e, mesmo em casa, quando nos deitamos para dormir,
permanece, por longo tempo, em nosso pensamento, nos forçando uma reflexão
sobre nossos atos, nossos conceitos e pré-conceitos.
Aliás, eu
gostaria de compartilhar com o leitor uma breve história*: parece que havia, em
uma jaula, uns cinco macacos que eram observados por um grupo de cientistas. No
meio da jaula havia uma escada e, no seu topo, um doce...
*(assista a peça e vivencie o desfecho).