sábado, 14 de novembro de 2015

“Relatos não oficiais sobre o andar 43” choca, emociona e nos faz refletir ao colocar o espectador como cúmplice do enredo


Peça fica em cartaz em Belo Horizonte neste fim de semana no Teatro Sesi Holcim

            Imagine a seguinte situação: você trabalha em uma importante empresa e está atrasado para uma entrevista no 43º andar – famoso em seus ‘relatos não oficiais’, afinal, é o andar da diretoria. Você entra no elevador e, quando as portas já estão fechando, uma outra pessoa vem correndo e pede para você segurar a porta. Quando ela embarca, vocês descobrem juntos que vão para o mesmo andar e que um destino semelhante pode estar reservado para os dois. É assim que a equipe da companhia Teatro Express, do Distrito Federal, inicia a peça “Relatos não oficias sobre o andar 43”. Com enredo polêmico, chocante e muito humano, o espetáculo fica em cartaz até este domingo (15), no Teatro Sesi Holcim, em Belo Horizonte.

            O laboratório Lustosa é famoso e tradicional: 27 anos como líder no mercado. Seus funcionários têm oportunidade real de crescimento dentro da companhia. Prova disso é que Bernardo e Maurício foram chamados para uma entrevista com o presidente da empresa e tomam, coincidentemente (ou seria o destino?) o mesmo elevador.

            A subida é longa e eles começam a puxar assunto. Maurício é do setor químico e é a timidez em pessoa. Bernardo é do setor de vendas e é mais extrovertido, mais brincalhão. Dele, partem as piadas iniciais da trama. Os dois  têm esperança de serem promovidos naquela tarde, afinal, por qual outro motivo seriam convidados para uma reunião com o presidente?

            Uma química (e não é trocadilho com o segmento da empresa) surge entre os personagens durante o trajeto. Mas é algo sutil, inocente. No entanto, uma queda de energia faz com que o elevador pare no meio do caminho. Presos no pequeno espaço e com a morosidade do socorro, Bernardo e Maurício deixam-se levar por seus impulsos e dão uma guinada no relacionamento.

            É aí que as coisas complicam e a velha máxima “as aparências enganam” começa a traçar o destino dos dois personagens. O romance de Bernardo e Maurício nos remete um pouco ao romance de Jack e Rose em Titanic, de James Cameron: começa por acaso e tem um desfecho surpreendente. E o que nos choca, é perceber que podemos ser cúmplices daquele enredo nefasto e não podemos fazer nada para ajudar os personagens a sair de uma situação tão grave.

            Tudo no espetáculo é cuidadosamente pensado para prender o espectador e fazer com que ele entre, de corpo e alma, na história: ainda com as luzes apagadas sobre o palco, o áudio de uma unidade de autoatendimento telefônico nos apresenta o laboratório. Frases clássicas do mundo do telemarketing são ouvidas no começo da apresentação e nos dão uma ideia do cenário. Em seguida, o som mecânico característico do elevador se sobressai aos demais sons e as luzes se acendem. Vemos então o transporte que Bernardo e Maurício irão tomar dentro de alguns instantes e temos a primeira surpresa da peça: do modo como é colocado no palco, o elevador nos dá a sensação de estarmos dentro dele. Somos a parede espelhada do fundo, aquela em que, involuntariamente, arrumamos o cabelo ou retocamos a maquiagem quando entramos em um elevador qualquer. A porta fica no fundo do palco, com seu botões cromados voltados para o público. É por ali que conhecemos Maurício e Bernardo. E também o grande segredo do laboratório Lustosa.

            À medida que o elevador sobe rumo ao andar 43, luzes características piscam, dando-nos a ideia da passagem dos andares. Quando a luz principal é cortada, temos a fraca iluminação de um celular e, depois, uma incômoda luz de emergência, que cumpre seu papel de nos mostrar a face e a humanidade dos protagonistas.

            Quando o relacionamento dos dois se intensifica, a iluminação cumpre seu papel: um jogo de luzes psicodélico (ou, como disse o diretor Thiago Cazado, em uma recente entrevista ao blog APS: “esquizofrênico”), nos fazer viver aquele momento. Nos faz perceber que poderíamos estar na pele, no lugar, de qualquer um daqueles personagens.

            Esta, aliás, era uma das preocupações de Cazado, ao escrever o roteiro: Os personagens foram buscados pensando em não rotulá-los, não encaixá-los em tipos óbvios. Procurei encontrar personagens muito humanos, naturais e surpreendentes, como somos todos.” disse o autor em entrevista ao blog esta semana.

           As luzes e o som se intensificam e se suavizam, de acordo com a cena que é vista no centro do palco ajudando, de modo brilhante, a contar a história. Como Cazado adiantara ao blog, o choque, a polêmica causada pelo enredo, está não nas cenas de nudez e insinuação sexual. Está no pós, na consequência, na reação do mundo exterior sobre o relacionamento que Bernardo e Maurício resolvem assumir.

            A atuação dos atores é impecável. Eles conseguem dar o tom verdadeiramente humano que a peça pede. Nós os conhecemos, nos afeiçoamos e torcemos por eles. Temos um ataque da claustrofobia ao ficarmos presos no elevador e nos sentimos sufocados, como se inalássemos um gás, tamanha é a veracidade que Joheber Duarte e Thiago Cazado nos passam. Se o final dos personagens é feliz ou não, só assistindo para saber.

            Quando li a sinopse da peça e vi que lá constava a frase “lá (no elevador) eles descobrem um fato macabro a respeito da empresa”, imaginei qualquer coisa (de desvio de dinheiro público a adulteração de medicamentos), menos o que realmente acontece. Sem contar o final, posso dizer que “Relatos não oficiais sobre o andar 43” possui um desses enredos que se prendem em nossa cabeça após o fechamento da cortina. E nos segue, quando saímos do teatro, pelas esquinas, nos acompanha no ônibus e, mesmo em casa, quando nos deitamos para dormir, permanece, por longo tempo, em nosso pensamento, nos forçando uma reflexão sobre nossos atos, nossos conceitos e pré-conceitos.

            Aliás, eu gostaria de compartilhar com o leitor uma breve história*: parece que havia, em uma jaula, uns cinco macacos que eram observados por um grupo de cientistas. No meio da jaula havia uma escada e, no seu topo, um doce...

*(assista a peça e vivencie o desfecho).