Pedro (Renan Mendes) e Luiz (Thiago Cazado) em cena de 'Enquanto Todos Dormem' Foto> Marcus Valdetaro |
Thiago
Cazado emociona, mais uma vez, com texto intenso e verdadeiro
Passam
das três da manhã quando começo a escrever estas linhas. Lá fora, todos dormem.
E “Enquanto Todos Dormem”, revivo,
na memória, as cenas do espetáculo escrito, dirigido e protagonizado por Thiago Cazado. A peça está em cartaz em
Belo Horizonte este fim de semana e vale muito a pena ser vista, revista e
lida, já que o livro com o roteiro e belas fotos está disponível para aquisição
após o espetáculo.
Para
falar sobre “Enquanto Todos Dormem” é
necessário se desligar um pouco do padrão jornalístico. Aquele que exige um
verbo no título, um lead, um sub-lead e impressões sem emoção. É preciso fugir do texto formal e se aventurar
na experiência poética, e em uma escrita mais pessoal, pois é assim que
percebemos a concepção de Cazado em cena. Para relembrar com o fulgor que ela
merece, podemos nos dar ao luxo de uma boa taça de vinho e uma música calma,
talvez a trilha sonora de um filme, para revivermos os momentos vistos no
palco...
É
necessário entender que o texto de Cazado é simples, mas não entendam como
simples algo pobre. Não. “Enquanto Todos
Dormem” é riquíssimo. É belo. É intenso. Conheci o trabalho do diretor ano
passado, quando “Relatos Não Oficiais
Sobre o Andar 43” esteve na capital mineira. Embora sejam tramas
diferentes, percebemos em ambas a delicadeza e a intensidade ao se tratar de
temas tão reais, tão próximos e muitas vezes, temas mal compreendidos pela
sociedade.
Vale
ressaltar que, enquanto “Relatos...”
partia para uma narrativa feroz já nos primeiros minutos, “Enquanto Todos Dormem” é mais calma. A relação entre os dois
personagens vai se construindo aos poucos. O romance vai surgindo
vagarosamente, graciosamente. Remete a algo juvenil: quase aquele ‘primeiro
amor’ da adolescência. Algo que começa imperceptível e que, aos poucos, ganha
forma, tamanho e importância. Quando percebemos, já não conseguimos nos
desvencilhar. Nem queremos.
Juntos, Pedro e Luiz testam seus limites físicos, emocionais e espirituais Foto: Marcus Valdetaro |
Este
é o drama principal dos personagens Pedro e Luiz. Especialmente Pedro, que
tenta lutar mais contra esse amor, afinal, é essa a imagem e a postura que a
sociedade espera dele. Luiz representa a vontade de viver o proibido, de querer
experimentar aquilo que socialmente é condenável.
Juntos,
os dois descobrem que podem ir além dos seus limites: emocionais, espirituais e
físicos. Podemos comparar a produção com filmes como “Titanic” (James Cameron, 1997) – vale ressaltar que, ano passado, também
comparei “Relatos” com este filme,
mas tal comparação é inevitável e só ajuda a entender a beleza da história
contada aqui – de um lado, temos um personagem submisso, que anseia por se
libertar, por viver, de outro, temos o personagem libertador, aquele que
ensinará o caminho para a felicidade. Podemos ainda citar “Romeu e Julieta”, “Ghost”
e até mesmo “A Lagoa Azul”, já que é
uma história de descobertas: descoberta da liberdade, da escolha, do amor...
Mas
o amor é impossível. E entendemos, em meio a atos e palavras de Pedro e Luiz,
que o amor jamais deveria ser tratado como algo impossível. Os dois passam a
entender isso e resolvem seguir. Mas, como o próprio Pedro afirma: muitas
vezes, não damos conta de que o tempo não é nosso aliado. Perdemos tempo
preocupados com coisas sem importância, como a opinião alheia à nossa escolha,
por exemplo. E, quando nos damos conta, não temos mais tempo.
Se
os personagens souberam usar o tempo que tinham para explorar este amor ou não,
só quem assistir à peça saberá (prometi aos produtores não soltar spoilers, hehehê). O fato é que, “Enquanto Todos Dormem”, narra de modo
belo, suave e intenso ao mesmo tempo, uma história de amor. Tão igual e comum
às milhares que vemos por aí. Tão diferente em seu próprio contexto.
Além
do amor entre os dois jovens, um outro sentimento paira sobre o roteiro: o
medo. Medo dos próprios sentimentos, medo da sociedade, medo da guerra. A
história se passa em 1938, num cenário pré-segunda guerra mundial. A tensão
cresce com o passar dos dias, dos meses. A qualquer momento, nossos heróis podem
ser chamados ao campo de batalha. E isso impõe o medo também à plateia, que
assiste sem poder ajudar, mas que vive o amor, a felicidade e a dor de Pedro e
Luiz.
O
que resistirá no fim, se é o amor ou o medo, só indo ao teatro para saber. Mas
a surpresa ao final é belíssima... e reconfortante.
Sobre
a produção, só podemos parabenizar: o cenário, que simula um centro de
treinamento do exército em 1938 é planejado de forma inteligente. Elementos sonoros
e jogos de luzes nos transportam para diversos locais: cachoeiras, pedras, mata
selvagem sob um céu estrelado e o próprio acampamento militar.
Momentos cômicos ajudam a dar leveza à trama intensa Foto: Marcus Valdetaro |
O
contraste do ambiente rústico com os sentimentos tão humanos dão o toque que o
roteiro precisava para ganhar vida. As situações cômicas dão o tom de leveza
nos momentos certos. Vamos nos envolvendo gradualmente na relação dos
personagens. Vamos crescendo pouco a pouco com eles, vamos nos inteirando de
suas vidas e interagindo com suas rotinas e escolhas.
No
fim, estamos íntimos, amigos dos personagens e torcendo por eles. Os atores Thiago Cazado e Renan Mendes dão um show em cena. Conseguem manter a atenção do
público por 80 minutos e nos emocionar diversas vezes. Cabe aqui, uma observação
pessoal: não sou muito emotivo. Sou cinéfilo e adoro teatro, mas poucas tramas,
tanto na telona quanto no palco, conseguiram me dar um aperto na garganta.
Confesso que chorei ao final de “Enquanto
Todos Dormem...”
Assim como “Relatos...”, “Enquanto Todos Dormem” nos segue para fora do teatro. Nos
acompanha pelas esquinas até chegarmos em casa. E fica na mente por muito
tempo. Uma escala de “0 a 10” é pouca para definir este trabalho...
Amizade, Amor, Fé e/ou Medo? O que restará ao final de 'Enquanto Todos Dormem'? Foto: Marcus Valdetaro |