O dia começou com um gosto estranho. A saúde do meu avô
estava mais debilitada. No meio da manhã, recebemos a notícia: ele havia
cumprido sua missão aqui na Terra. Não estava mais conosco, embora seu espírito
e suas lições permanecerão para sempre em cada um de nós.
Convivi quase 29 anos com este homem exemplar que foi
Antônio Miguel de Moura. Avô, padrinho de batismo, peguei emprestado seu nome,
do qual me orgulho muito. Quantas lembranças, quantas coisas vividas e agora...
quanta saudade!
Quando criança, lembro de uma forte crise de tosse que
tive e foi ele e minha avó que me socorreram de madrugada, com chás e remédios.
Quando tive estomatite, era meu avô quem conseguia me dar um pouco de guaraná
todo começo de noite, fato que me deixou nutrido o suficiente para não ter que
ir parar no hospital.
Quando estava bem de saúde, meu avô sempre me trazia a “Bala
do Macaco”, nome que ele e eu demos às famosas Balas Chita. Tiveram ainda as “Uma
Sete Balas”, nada mais que três balas que ele “escondia” no bolso da camisa
para que eu as encontrasse.
Comíamos pipoca juntos, passeávamos juntos nas férias,
cuidávamos das plantas... Foi com meu avô que aprendi a respeitar a fauna e a
flora. Em seu imenso quintal me perdia em meio às plantações de jiló,
carambola, jabuticaba e outras dezenas de variedades de plantas.
Também peguei de meu avô o gosto por usar roupas sociais,
dando preferência sempre às camisas com bolso no peito. Sempre! Quando
completei o Ensino Fundamental, recebi do meu avô uma caneta banhada a ouro com
meu nome gravado... no Ensino Médio, ele fez questão de me aplaudir de pé ao
receber o certificado.
Também esteve presente na minha formatura de Letras,
sentado na primeira fileira do auditório. Como na minha formatura de Jornalismo
ele já estava mais debilitado, fiz questão de ir a sua casa comemorar com ele.
Fizemos um churrasco, como ele tanto gostava...
Apaixonado pelo Atlético, Antônio Miguel de Moura não
perdia um jogo do seu time de coração, fosse pela TV ou Rádio. Também gostava
de torcer pela Seleção Brasileira em Copas do Mundo! Vibrava com os gols e se
irritava com as derrotas. Era apaixonado por noticiários. Religiosamente, às
20h30, sentava-se em frente à TV para assistir ao seu “Jornal Nacional”. E lia,
todas as manhãs, o jornal impresso...
Era católico e ia todos os domingos à Missa. Quando não
pôde mais sair de casa, passou a acompanhar as celebrações na TV. Ajudou a construir
as comunidades de Santa Cruz e São Vicente de Paulo, hoje pertencentes à
Paróquia Santa Gemma Galgani, em Belo Horizonte. Como bom católico, fez questão
de comemorar as Bodas de Ouro ao lado da minha avó, no Santuário Nacional em
Aparecida.
Em 2006 acompanhamos a minissérie JK juntos: todo fim de semana, quando eu o via, ele me contava
sobre as histórias da época do presidente Juscelino. Na semana seguinte, o que
ele havia me contado era exibido na TV.
Também acompanhou comigo episódios da série Lost e filmes diversos: ele adorava
comédias do Mazzaropi, Os Trapalhões, filmes religiosos e até terror!!!
Assistia comigo clássicos como Sexta-Feira
13, Aranhas e até Freddy x Jason!
E amava comentar comigo algumas cenas.
Vô Antônio, ou Vovô Guel, como o chamávamos quando
criança, passou seu último fim de ano em minha casa. Já com dores, ele não
dormia direito, mas conseguimos deixá-lo feliz em seus últimos dias. Comeu –
ainda que pouquinho – alguns de seus pratos favoritos: de arroz doce a
torresmo.
Sua grande paixão sempre foram os netos: muitas vezes o
vi repreendendo os filhos porque eles estavam brigando com seus netos. “Deixem
os meninos correrem pela casa. Se não fosse pra correr e brincar, não precisava
deles virem aqui.” Sempre que tinha festa na casa dele e da vovó, ele fazia
questão de dizer que queria o som bem alto e, quando ia se retirar, ameaçava
voltar pra sala se desconfiasse que íamos acabar com o barulho.
Com as netas, as filhas e a esposa, sempre um cavalheiro:
mandava flores no aniversário, cestas de café da manhã, sabonetes perfumados...
Com filhos e netos, ensinava a sermos cavalheiros.
Sempre bem-humorado, fazia piadas e contava “causos”
sobre tudo. Os seus preferidos eram sempre sobre sua cidade-natal: Crucilândia.
Ouvimos diversas histórias sobre sua terra.
Também peguei dele o gosto pela música caipira: de Gino e Geno a Liu e Léo, passando por Tonico
e Tinoco. Seu repertório preferido incluía Coração Cigano, Baile na Roça, Moreninha Linda, mas nenhuma música
era mais querida pra ele do que O Ipê e o
Prisioneiro (O Ipê Florido) de Liu e Léo.
Em sua casa, sua grande paixão era o pé de carambola imenso,
plantado perto da porta da sala. Gostava de sentar próximo à porta para
observar os pássaros fazendo ninhos, as frutas maduras e a chuva caindo sobre
as folhas.
Também tinha muitos antúrios. De diversas cores e
tamanhos. E samambaias, hortaliças, orquídeas e outras.
Sempre trabalhador, na juventude em Belo Horizonte,
trabalhou no Colégio Pio XII. Depois, ficou décadas na Mannesmann, onde se
aposentou. Após a aposentadoria, ainda trabalhou por 19 anos no Sport Club
Colina, um clube de recreação na rua de sua casa.
Dos 58 anos de casado, 52 foram passados na mesma casa,
localizada no Bairro Olaria, região do Barreiro. Teve nove filhos naturais e
uma adotiva. Dos nove, seis hoje estão chorando sua partida, mas sabem que ele
segue em paz ao encontro dos três que já partiram há anos.
Deste longo casamento, aprendemos o respeito que sempre
teve por nossa avó e vice-versa. Nesses últimos meses, em que ele ficou
hospitalizado por longas semanas, nossa avó sempre esteve ali ao seu lado,
segurando sua mão.
E foi assim que ele nos deixou nesta manhã: segurando a
mão da esposa que o acompanhou nesta longa caminhada.
Suas lembranças e seus ensinamentos ficarão sempre
conosco. Suas histórias, suas piadas, suas receitas: de paçoca a quentão
passando por “pão doce passado na frigideira”. A nós, ficam apenas as boas
lembranças, os doces momentos, as canções, as fotos, as lições de vida.
Siga em paz e que Deus o receba de braços abertos no
paraíso.
Te amo, Vovô Guel.